Planos de saúde desrespeitam a ANS cada vez mais
Nesta semana, foi comemorado o Dia Nacional da Saúde, mas o setor continua como um dos mais contestados no país. Só nos últimos 20 dias, três institutos de defesa do consumidor lançaram questionamentos formais contra as normas adotadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação e fiscalização dos planos de assistência médica. A lista de reclamações é extensa: vai da falta de transparência nas regras usadas para determinar os reajustes à demora para a marcação de consultas, passando pela autorização de exames e procedimentos e pela dívida das operadoras com o Sistema Único de Saúde (SUS) estimada em R$ 370 milhões.
Mas, enquanto os debates ocorrem movidos por extrema burocracia em câmaras técnicas, instauradas pela ANS e com a participação dos representantes do setor, os usuários seguem descrentes diante da sensação de caos crônico no atendimento e sem previsão de melhorias. Entre a massa de insatisfeitos com os serviços prestados, está o servidor público Charles Antunes Alves, 49 anos. Em dezembro do ano passado, ele sofreu uma queda enquanto fazia reparos no telhado da casa onde mora, em Samambaia, que resultou em uma fratura exposta na perna esquerda.
Desde então, Alves passou por três cirurgias, mas as complicações persistem. Ele alega que a própria saúde se deteriora enquanto a Medial, plano que contratou, insiste em protelar a autorização para o tratamento que deveria combater uma infecção contraída após o procedimento cirúrgico. Segundo o servidor, a operadora teria exigido o depósito de um cheque-caução para que o tratamento fosse efetuado. “A gente fica sem opção, pois, pelo SUS, as dificuldades são ainda maiores”, desabafa.
Depois de ser contatada pelo Correio, a Medial procurou Alves para orientá-lo a enviar o pedido médico e, após avaliação, ser encaminhado à clínica credenciada. “Só poderei fazer isso na segunda-feira (amanhã). Vamos ver se vai funcionar”, diz o servidor. A negativa de cobertura é, por sinal, a líder no ranking de reclamações recebidas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Há 10 anos consecutivos, o setor de planos de saúde é o mais demandado pela instituição.
Abusos constantes
Em uma tentativa de minimizar o problema, a ANS implantará, até o mês que vem, um sistema batizado de Notificação de Investigação Preliminar (NIP), que permitirá à reguladora atuar como mediadora dos conflitos antes de eles chegarem aos tribunais. O mecanismo foi alvo de uma consulta pública com a análise das sugestões concluída na última sexta-feira. Foi ainda testado em um projeto-piloto que começou em outubro de 2008, inicialmente restrito a 35 operadoras, e ampliado em março de 2009, para abranger pequenas e médias empresas em sete estados e no Distrito Federal. Apenas no ano passado, foram 8.894 denúncias por negativa de cobertura à agência.
Como se não bastasse, os ataques ao setor envolvem ainda queixas constantes quanto à demora para a marcação de consultas e à prática adotada por alguns médicos de dar preferência na fila para pacientes particulares. Uma pesquisa feita pela Proteste comprova que os usuários com plano coletivo demoram 50% mais do que em um plano individual para agendar exames ou outro procedimento, e 14,3% mais para marcar uma consulta. Nos planos individuais, o consumidor leva, em média, 14 dias para agendamento de consulta e seis para marcar um procedimento ambulatorial ou exame. Já nos planos coletivos, esses prazos são de 16 dias e nove, respectivamente.
A pesquisa apontou ainda que o tempo para agendamento de consultas na especialidade de clínica-geral pode levar até sete meses e de cardiologia, seis meses. “Quanto maior o número de clientes de uma empresa, maior é o tempo médio de agendamento”, conclui o estudo. De acordo com a Proteste, o problema é que a ANS não cobra aumento na rede de atendimento dos planos na proporção do aumento do número de beneficiários.
Reajuste de até 200%
Não bastasse o péssimo atendimento, os usuários de planos de saúde penam com reajustes abusivos nas mensalidades. Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que, entre 2000 a 2010, houve aumentos de até 200,32% no caso dos clientes da SulAmérica. Na média, os planos individuais e familiares novos subiram, no mesmo período, 136,65%. Ou seja, qualquer que seja a comparação, o encarecimento dos planos superou, de longe, a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 105,29%.
A gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais, classifica esses reajustes como abusivos. Em resposta, a SulAmérica afirma que os aumentos dos planos anteriores à Lei nº 9.656/98 são determinados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que compara os índices de Variação dos Custos Médico Hospitalares (VCMH) da SulAmérica com os das demais operadoras de mesma classificação, segmento e
porte. Solange Palheiro, diretora-executiva da Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), representante das seguradoras especializadas em saúde, engrossa o coro contra o Idec. Ela ressalta que a base para a correção dos planos é feita por meio da apresentação de planilhas nas quais estão descritas toda a variação de custos das empresas, método decidido por meio de acordo entre as partes envolvidas.
O Procon-SP não se convence com tal argumento. Tanto que a assinou manifesto com o Idec questionando a falta de transparência da ANS no processo de revisão das tarifas dos planos. As instituições argumentam que o prazo para a avaliação é insuficiente e não há disponibilização de documentos. Recentemente, a ANS aprovou alta de 6,76% para os planos novos e de até 10,91% para os contratados até 1998.